Asgav Notícias

Novos rumos para o comércio internacional em um mundo pós-pandemia
27/10/2020

voltar

Atualmente, vivemos um momento de retomada contratada das economias globais, com ganhos de tração no volume de comércio internacional acompanhado de bons resultados produtivos em virtude da reabertura das atividades. Com bons resultados vindos da China, a contração da corrente de comércio é melhor que a esperada, em torno de 10% para 2020 e crescimento projetado em 8% para 2021, mas que deve cair no médio prazo.

É possível prever que, superada a crise sanitária, as economias se deparem com um ambiente internacional de negócios mais precaucionista, propenso à imposição de restrições aos fluxos de comércio decorrente do encarecimento do risco.

Até aqui, vemos uma mudança no perfil de consumo global, que deve persistir por muito tempo. A demanda por produtos não essenciais e viagens afundou, atingindo as empresas de vestuário, derivados de petróleo e de transportes aéreos e terrestres. Por outro lado, embora a produção tenha sido afetada, setores como agricultura, alimentos e bebidas continuaram a ter forte demanda (regida pela China) dada a natureza essencial de seus produtos. Tais movimentos tem provocado desequilíbrios que, somados à desvalorização do Real, explicam boa parte da variação de preços observadas em commodities e serviços.

Assim, muito tem se falado sobre uma nova configuração das cadeias globais de valor, cujo processo de decisão em envolver economias adicionais a uma rede de fornecimento passaria a depender não mais apenas dos lucros potenciais, mas também da capacidade de resiliência das firmas, como em situações de falta de acesso a insumos onde linhas inteiras de produção podem parar por falta de material. Ou seja, a garantia de acesso a insumos mostrou ser um elemento vital, que tem ganhado espaço na discussão sobre aumentar a produção nacional como receita de recuperação e geração de emprego, onde já se observa, por exemplo, programas de repatriação de indústrias nos Estados Unidos e Japão.

Porém, a natureza altamente interconectada de diversos segmentos limita o argumento econômico para fazer mudanças absolutas de larga escala na localização física das cadeias, pois abrangem redes compostas por milhares de empresas, nos permitindo considerar que apenas mudanças marginais ocorrerão.

Em meio a isso, podemos vislumbrar o comércio internacional brasileiro como um dos setores da economia que possui condições de locomotiva de crescimento na guerra contra a crise. Visões mais liberais argumentam que a abertura econômica é a solução de longo prazo para desenvolver o país e inseri-lo nas cadeias valor, aumentando a participação das exportações sobre o PIB, a exemplo das economias desenvolvidas. Entretanto, uma abertura unilateral com o resto do mundo pode trazer efeitos indesejados no curto prazo, por abrir caminho para firmas estrangeiras mais competitivas e tecnologicamente mais especializadas, excluindo a oportunidade de possuir no âmbito local toda uma rede de valor importante na geração de emprego e renda.

Hoje, o nosso grande desafio consiste em reequilibrar uma configuração de comércio exterior que é baseada em uma pauta de importação composta majoritamente por produtos com alto valor agregado e uma pauta de exportação mais concentrada em produtos primários e em produtos semimanufaturados, decorrente da estrutura escalonada de proteção tarifária do país. Uma possível abertura, assim, resultaria em um aprofundamento do cenário atual, reduzindo cada vez mais a oportunidade de agregar valor internamente.

Pelo caminho, é preciso ainda romper os desequilíbrios que mantêm nossa corrente de comércio em patamares muito baixos (20% do PIB), com uma tarifa média de importação em 16%, distante dos possíveis futuros parceiros de OCDE (2%). Com as mudanças no mercado global pela frente, principalmente no que tange os mercados dos Estados Unidos, Europa e Ásia, o país precisará se preparar para absorver essa oportunidade tirando proveito da aproximação geográfica e se posicionando como uma fonte alternativa de abastecimento.

Assim, fica a avaliação que para obter a real inserção do Brasil no comércio mundial e colher ganhos de bem-estar no longo prazo, é necessário que haja atuação em diversas variáveis, desde a estabilização da volatilidade cambial e com as reformas tributária e administrativa para melhora do ambiente de negócios, como no fortalecimento do ambiente interno através da formulação de políticas que forneçam o devido suporte às empresas nacionais para atuarem competitivamente no mercado internacional.

Em termos de estratégia comercial, o Brasil possui um bem de que poucos países dispõem que é o seu mercado consumidor e, para adequar o processo de inserção no mercado internacional, o mesmo deve ser usado como moeda de troca, onde esse bem deve ser oferecido em troca de oportunidades de exportação dos produtos aqui fabricados.

Cabe acrescentar que o aperfeiçoamento do modelo de comércio internacional deve promover a inserção gradual e planejada, com a adoção sincronizada de ações que permitam a internacionalização das empresas, com apoio no acesso a linhas de financiamento e investimento tecnológico em produtividade e melhoria contínua, tanto para fornecedores como exportadores locais.

Fonte: FIERGS