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Duas Safras para o Rio Grande do Sul
22/07/2021

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Duas Safras para o Rio Grande do Sul

Projeto aposta nas culturas de inverno como insumo da ração de animal e na implementação de uma segunda safra no Estado

O aproveitamento das culturas de inverno como alternativa para resolver a escassez de milho que compõe a ração animal é determinante para a competitividade das cadeias de aves e de suínos. O tema ganhou mais espaço na agenda dos setores após a subida acima dos patamares normais nos preços do milho e do farelo de soja, insumos principais que forma a base da ração animal. Em um ano, o milho teve um aumento de 100%, alta que o setor não conseguiu repassar ao consumidor final, que não teria condições de comprar o produto, que iria sobrar nas prateleiras, gerando um novo problema, além da redução do volume de produção das granjas e do abate nas indústrias, medida que desestabilizou a cadeia, mas foi inevitável diante do cenário. Além disso, o Estado tem terras ociosas, uma situação climática com inverno e estiagem marcantes e uma localização geográfica desfavorável para a logística, fatores que, analisados em conjunto, formam um ambiente propício à introdução de tecnologias específicas e adaptadas para solucionar os entraves da cadeia.

Diante de todas essas adversidades, surgiu o projeto Duas Safras, uma iniciativa conjunta entre a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Trigo, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul (RS),e Embrapa Suínos e Aves, Concórdia, Santa Catarina (SC), que consiste no incentivo ao cultivo de culturas alternativas de inverno, como trigo, aveia, cevada, centeio, triticale, com o objetivo de gerar renda ao produtor, aumentar a produtividade, ocupar o campo, atender à demanda de agroindústrias de aves, suínos e bovinos para ração animal. O projeto inicialmente conta com o apoio e adesão da OARS ( Asgav e Sipargs), FecoAgro/RS, Sistema OCERGS/Sescoop RS, Acergs, Acav, Faesc, Embrapa Clima Temperado, de Pelotas (RS), Embrapa Pecuária Sul, de Bagé (RS), Yara Brasil e, agora, mais recentemente, Sicredi. A intenção é viabilizar um caminho para a implementação de uma segunda ou terceira safra consolidada no RS para retomar o patamar de produtividade no território gaúcho, que está em déficit em relação aos demais estados do país, que já plantam até três safras ao ano. Outra finalidade direta é recuperar a produtividade de aves e suínos do RS e SC em relação ao Paraná (PR), em defasagem justamente pelo cultivo dos grãos que formam a alimentação dos animais.

O presidente consultivo da ABPA, Francisco Turra (foto), conta que o programa Duas Safras resulta da ampliação do projeto Culturas de Inverno realizada por iniciativa da Farsul, que propõe não se concentrar apenas nas culturas de inverno, mas em duas safras. “A Farsul elaborou um estudo maravilhoso que mostra que o RS colhe 1,09 safra por ano, o que é nada”, enfatiza. Turra entende que esse é o mínimo que se pode ter ao passo que os outros estados brasileiros já trabalham com três safras e alguns até com a quarta em consórcio com florestas. “RS e SC têm que, urgentemente, para não perder espaço na agroindustrialização da proteína animal, abrir caminhos adicionando ao milho às culturas de inverno”, ressalta. O dirigente afirma que existem dados os quais comprovam que estamos em desvantagem diante do Paraná e do Centro-Oeste, locais que têm abundância de milho, facilidade de logística, duas safras de verão e uma safra cheia de inverno,uma conjuntura que se sobrepõe à situação atual do território gaúcho. O ex-ministro afirma que a implementação do Duas Safras, composto por pacotes tecnológicos da Embrapa, deve agregar robustez à economia gaúcha. “Em três anos, o PIB gaúcho deve crescer 6% em decorrência desse projeto”, prevê, reforçando a necessidade de aproveitar esse momento de muita demanda interna e externa por proteína animal.

O presidente da Farsul, Gedeão Pereira (foto), destaca que a safrinha existe no Brasil Central e que no RS não é possível efetivá-la pelo frio do inverno e porque o produtor prefere plantar soja a milho, perfil que faz com o que Estado permaneça com insuficiência do cereal por muito tempo. “O RS não faz duas safras, ele faz 1,09 safra, sendo que que é uma safra de soja, com quase 6 milhões de hectares e cerca de 1,1 milhão de hectares de trigo”, calcula. Pereira acrescenta dizendo que quase 5 milhões de hectares da área agricultável gaúcha é destinada ao cultivo de cobertura vegetal, extensão que poderia ser utilizada com culturas de inverno, como aveia branca, centeio, triticale e canola, o que estenderia o plantio desses grãos e permitiria fazer duas safras. O dirigente, ainda informa que a falta do cereal gira em torno de 7 a 9 milhões de toneladas entre RS e SC, fator que se reflete na estagnação do crescimento tanto na cadeia de suínos como na de aves do RS e SC, ao passo que o PR continuou em expansão. “O Paraná está mais próximo do Paraguai e do Brasil Central, como o Mato Grosso, puxando o milho safrinha, além da logística do PR ser melhor que a do resto, que opera do porto de Santos, sendo melhor o escoamento para outros estados do que para o Sul”, entende.

Com vistas a viabilidade econômica para os elos da cadeia, as grandes empresas do mercado já estão sendo sensibilizadas para comprar os produtos dos agricultores. Uma delas é o Grupo JBS, que apoia a iniciativa. O diretor executivo de commodities da marca, Arene Trevisan (foto), afirma que o grupo já trabalha com matérias-primas alternativas há cerca de três anos e compreende que esse debate em torno do tema, com o respaldo de Turra, recebe uma força política necessária para a implementação, ainda mais num momento que exige resultados. Ele avalia que o desafio para o sistema de produção de proteína animal está em “como equilibrar a escalada de custos em função da variação cambial e vender em um mercado interno com renda decrescente”, comenta. Trevisan disse que usar grãos de inverno para fazer ração não é nenhuma novidade e que o grão já é bastante utilizado para esse fim na Europa.“ Faltou empreendedorismo entre cooperativas e indústrias integradas para que esse sistema acontecesse no RS”,opina. O diretor executivo da JBS parabeniza o movimento. “Ganhamos força com a chegada do Turra, que deve estimular os produtores e todo o setor”, vislumbra.

Envolver as cooperativas nessa empreitada é fundamental. O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro/RS), Paulo Pires (foto),afirma que a entidade sempre foi entusiasta de ocupar a área no inverno, visto que essa área tem que ser coberta para proteger o solo da chuva, fator que tem um valor agronômico, além dos custos fixos que existem, independente de plantar ou não. Pires lembra que fez um trabalho por cinco anos junto à Embrapa Trigo voltado para a exportação. Agora, tem-se a necessidade do setor de proteína animal, sobre a liderança de Francisco Turra, o que fez com que a ideia ganhasse nova proporção. “Nós estamos juntos no projeto e acreditamos que tem tudo para dar certo”, reitera. Neste momento, o cenário dos altos preços das commodities, vão contribuir para impulsionar o projeto. “Vamos ter pelo segundo ano consecutivo um aumento da área de inverno e de outras culturas”, afirma. O dirigente antecipa que a cevada forrageira pode ser uma alternativa viável para produção de proteína. “A Embrapa já está iniciando trabalhos sobre isso”, reforça. 

Nesse contexto, Turra afirma que o agronegócio corresponde a quase 50% da economia do RS e cumpre papel fundamental em uma missão da qual o Brasil faz parte. “Precisamos dobrar a produção de alimentos no mundo, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) até 2050”, ressaltou. Ainda, segundo o ex-ministro, a proteína animal deve responder a 40% desse total. No Brasil, maior fornecedor de carne de frango do mundo, as exportações gaúchas representam US$ 1,5 bilhão, conforme levantamento da ABPA. O número é considerado baixo, se for levado em conta dados do abate de aves e suínos nos três estados do Sul.O Paraná está na liderança, especialmente nos últimos 15 anos, em razão da terceira safra do grão. A estiagem do RS, que causou a segunda safra seguida com quebra na produção de milho, é mais um incentivo para a busca de cereais alternativos. 

Segundo a pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, Teresinha Marisa Bertol (foto), o objetivo do projeto Duas Safras é expandir a produção de cereais de inverno nessa área sem afetar a safra de verão. Caso se consiga uma produtividade de 4 toneladas por hectare (ha), o que não está longe das possibilidades devido às tecnologias disponíveis na área agronômica, seria possível obter 9 milhões de toneladas de cereais de inverno com o cultivo de menos da metade dessa área, “o que seria suficiente para cobrir o déficit de cereais para alimentação animal no RS e SC”.

A especialista também diz que para manter a qualidade do alimento fornecido aos animais com o uso dos cereais de inverno, a substituição do milho pelo trigo, ou outro cereal de inverno, não pode ser feita simplesmente peso por peso, já que é necessário alterar a proporção de outros ingredientes da ração. “Ao substituir milho por trigo na ração de frangos de corte, como o trigo apresenta menor conteúdo energético, é necessário aumentar a inclusão de um ingrediente com alta concentração de energia, como os óleos vegetais ou gorduras animais”, exemplifica. Teresinha Marisa completa dizendo que as proporções recomendadas de inclusão do trigo nas rações de frangos de corte e poedeiras variam de 20 a 30% da dieta, dependendo da fase de produção. “No entanto, níveis mais elevados podem ser utilizados, desde que se façam os ajustes necessários nas fórmulas visando manter o valor nutricional e a qualidade do pellet”, enfatiza.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos no Estado do Rio Grande do Sul (SIPS), José Roberto Fraga Goulart (FOTO), afirma que o acesso a outras alternativas ao milho para fabricação de ração é fundamental, ainda mais com a cotação do milho. “O trigo normalmente é mais caro, o trigo de qualidade vai para os moinhos, mas com preço que o milho atingiu ficou viável a utilização, embora n]ao substitua em 100% o milho”, analisa. Goular assinala que hoje o RS não é autossuficiente, precisa se abastecer trazendo grãos do Centro-Oeste, com frete e tributos que aumentam o preço e trazem perdas para o sistema tributário do Estado. Ele ainda reforça que o trabalho que vem sendo feito tem que ter total apoio da cadeia da proteína. “ A indústria e o produtor só tem a ganhar com esse projeto, mas tem que trabalhar em conjunto para que avance”, conclui. 

O projeto tem previsão de ter o lançamento oficial no segundo semestre de 2021, data que pode ser alterada conforme o andamento da pandemia. Pereira disse que a ideia já vem sendo difundida na mídia, mas ainda está concentrada nos idealizadores e que a implementação deve ocorrer a médio prazo, o que o gestor entende ser pelo período médio de cinco anos. “Se o produtor quisesse investir agora, não teria sementes suficientes”, explica. O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS) deve capacitar os produtores, repassando aos profissionais novidades em termos de tecnologias para o manejo de culturas como o trigo, principal cultura do inverno gaúcho, além de cevada, centeio, triticale e aveia. Empresas como a Yara também têm oferecido treinamentos de capacitação aos seus profissionais, juntamente com a Embrapa Trigo e Embrapa Suínos e Aves, para atender aos produtores rurais que optarem pelo cultivo de cereais de inverno.

Farsul amplia projeto para a bovinocultura

O presidente da Farsul, Gedeão Pereira, incrementou a atuação do programa também para a bovinocultura e explica que a ideia se aplica de forma específica para a metade Norte e Sul do Estado. Para a metade Sul, Pereira elucida que a Embrapa Suínos e Aves,de Concórdia (SC), e Embrapa Trigo em Passo Fundo (RS) forneceram o respaldo tecnológico. Para a metade Norte, as Embrapas Clima Temperado, de Pelotas, Pecuária Sul, de Bagé, desenvolveram ferramentas que viabilizam a consolidação do programa. A Embrapa Clima Temperado tem uma tecnologia na qual o milho pode fazer rotação com arroz a um custo muito baixo e com produtividade comprovada.“ Temos que vender para o produtor a ideia de que já tem uma tecnologia que tornou possível produzir milho na várzea com sistema de irrigação muito barato”, enfatiza.

Na metade Sul, que é fronteira agrícola, com o avanço da soja na primavera, há uma “disputa” de área entre pecuária de corte e a oleoginosa, já que em setembro e outubro é preciso utilizar a área para o plantio de soja e não se tem espaço para colocar os animais. A Embrapa Bagé tem uma tecnologia que permite solucionar esse impasse. “Aumentar, e até dobrar, o número de animais por hectare para não diminuir o tamanho da pecuária de corte e possa suportar o impacto da soja”, explica.

Avicultura reforça necessidade de oferta regular para manutenção das atividades

O presidente executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos(foto), reafirma que a entidade vem estimulando, unindo e aproximando o setor de soluções que possam desafogar os produtores de aves para corte e para ovos, assim como as indústrias. “ Estamos mobilizando o setor, desde o produtor de frango e de ovos até a indústria para que todos conheçam esse movimento que já está nascendo”, destaca.

Santos recorda que no programa Pró-Milho, em 2020, no qual a Asgav participou da construção, se exigiu a criação de um programa assertivo, com estratégias que convoquem o governo a atuar com vigor em prol do setor, mas que, muitas vezes, em gestões anteriores, declinou para atitudes dadas a passos lentos ou até, em marcha ré. “ Acompanhamos, e não foi uma vez, projetos nos quais entrou ano, saiu ano e nada de diferente foi feito”, lembrou. Porém, a análise do gestor é distinta em relação ao Duas Safras ao avaliar que o impacto desse cenário de pouco acesso aos insumos que formam a ração pode ter graves consequências futuras. “ Ali na frente, pode provocar até uma desindustrialização e, automaticamente, diminuir a atividade no campo”, entende. Santos explica que a falta de disponibilidade do grão ou o preço em patamares elevados geram dificuldades às empresas mais estruturadas, também prejudicando, massivamente, as médias e pequenas empresas que vivem, quase que exclusivamente, do segmento.

O presidente da Asgav alerta que é preocupante a duração dessa crise dos altos preços dos insumos, que começou em meados de 2020 e que segue forte até junho de 2021, com a precificação do milho num padrão fora da curva, que causou a maior alta dos últimos vinte anos. “Além de 100% de aumento do trigo, tem cerca de 50% a 70% de alta no farelo de soja, números que desestimulam o setor que produz em larga escala com margens apertadíssimas, sendo que não pode repor esses índices de aumento sobre os seus produtos porque tem compromisso em suprir a necessidade interna”, relata.

O dirigente reitera que o segmento avícola está sofrendo com a desatenção, ou a morosidade no atendimento, por parte do governo federal em colocar medidas de contingenciamento. “ Precisamos trabalhar em cima de planejamento e não ficar o resto da vida dependendo do sobe e desce, da vontade de ajudar, ou não, do poder público”, ressalta. A oferta regular é um dos pilares que deve ser edificado e, por isso, essas alternativas são bem recebidas.

Santos avalia que essa alternativa vai ser permanente, posto que a avicultura não pode ficar submetida “à cotação do milho, à falta de milho e à estiagem, já que o foco está em manter a regularidade na produção, segurar o produtor no campo e garantir o fluxo operacional normal da indústria, assegurando o funcionamento da cadeia”, salienta.

 

 Embrapa Trigo quer ampliar o cultivo de cereais de inverno no Estado

A Embrapa Trigo, localizada em Passo Fundo (RS), tem a finalidade de incentivar as culturas de inverno como alternativa desse novo mercado, que é a produção de ração animal. Para isso, coloca em comunicação os elos da cadeia de aves, como as cooperativas e indústrias integradoras, dado que a efetivação de negócios é fundamental para esse processo.O analista de transferência de tecnologia da Embrapa Trigo, Marcelo Klein(foto), explica que 80% da produção nacional de trigo é cultivada no RS ( de 700 mil a 1 milhão de hectares) e PR ( 1,2 milhão de hectares).Klein salienta que um dos problemas do trigo sempre foi a comercialização, sendo que de 800 mil toneladas a 1 milhão de toneladas vai para a exportação, excedente que não é absorvido pela indústria moageira. “ Vender no mercado internacional já é uma alternativa para escoar o grão”, reforça. A inclusão do trigo na alimentação animal é vista com uma perspectiva positiva. “ A área agricultável pode ser duplicada, temos maquinário, insumos, produtores e um contexto oportuno para atender a demanda de nutrição animal”, relata.

O analista também enfatiza que o triticale (cultura sintética oriunda do cruzamento entre trigo e centeio), que antes ocupava entre 2,5 mil e 3 mil hectares nos últimos cinco anos, agora, na safra 2020/2021, dispõe de um volume de sementes oficiais capaz de plantar de 25 mil a 30 mil hectares. “Neste ano, o triticale tem um potencial de aumentar em dez vezes a área cultivada, se comparada à média dos últimos anos”, comenta. Ele esclarece que o triticale também pode estar na composição do alimento dos animais, mas salienta que não tem a mesma qualidade tecnológica do trigo. Embora haja outras culturas de inverno, ele informa que trigo e triticale ,por ter maior produtividade, devem ter mais procura para esse propósito.

Ele avalia que, em termos gerais, é possível substituir em 100% o milho pelos cereais de inverno , sendo que a Embrapa oferece indicadores técnicos para que as indústrias moageiras e seus nutricionistas façam o ajuste necessário dos valores proteico e energético. “A vantagem proteica dos cereais de inverno chega a 14% acima do milho, que é de 8%”, destaca afirmando que isso também deve reduzir os custos de produção. “ Recentemente, a China vai aumentar a fatia de culturas de inverno na criação dos suínos do país, muito em função do valor da proteína, o que pode gerar menos custos, já que é a proteína é um dos componente mais caros da ração”, avalia.

 

Entrevista

A pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, Teresinha Marisa Bertol (foto), responde às questões que envolvem o valor nutricional da ração composta por cereais de inverno e as vantagens dessa substituição do milho para o produtor e para a produção.

Asgav-As culturas de inverno mantêm o valor nutricional que o milho oferecia à ração? Há adição de outros componentes para equilibrar a alimentação? Os animais precisam complementar a alimentação pela falta do milho?

Teresinha Marisa- As rações contendo cereais de inverno devem ser formuladas de forma a manter rigorosamente o mesmo valor nutricional das rações baseadas apenas em milho e farelo de soja, isto é, devem atender às exigências nutricionais da espécie em questão em cada fase de produção. Isso é obtido a partir de ajustes nos outros ingredientes da dieta (farelo de soja, gorduras/óleos, aminoácidos sintéticos, fontes de fósforo), conforme descrito acima. Com isso, espera-se obter o mesmo desempenho proporcionado por dietas baseadas em milho e farelo de soja. A precisão desses ajustes depende do profundo conhecimento do valor nutricional desses ingredientes e de tecnologias que possam ser utilizadas para predizer seu valor nutricional em tempo real para formulação de rações.

Asgav-Foram percebidos benefícios em usar as culturas de inverno na produção de ração para aves? Se sim, quais seriam?

Teresinha Marisa- Os benefícios do uso dos cereais de inverno na produção de aves estão mais relacionados às questões econômicas. Vários fatores ligados aos mercados interno e externo levaram à supervalorização do milho. Na região Sul, esse problema é mais acentuado devido a um déficit localizado, que é de 9 milhões de toneladas e ao elevado custo para trazer milho de outras regiões. Ao longo do tempo, esse cenário pode inviabilizar a expansão da produção de proteína animal na região ou até levar à sua redução. O aumento da disponibilidade e uso de outros cereais, como os de inverno, não só ajuda a viabilizar essa atividade pelo lado do suprimento dos grãos, como pode reduzir a pressão na demanda por milho, reduzindo assim a pressão sobre seu preço.

Asgav-Economicamente, tornou-se mais viável para o produtor? A área destinada a culturas de inverno no RS é suficiente para ter esse “ novo” destino?

Teresinha Marisa- Atualmente, o consumo de trigo para alimentação humana no Brasil é de 13 milhões de toneladas e a produção nacional é de 6 milhões de toneladas; portanto, nesse momento a área destinada para essa cultura não é suficiente nem sequer para alimentação humana. A produção de triticale não chega a 50 mil toneladas por ano, a cevada é cultivada apenas para uso nas maltarias e a aveia é cultivada apenas para atender o consumo humano e para cobertura vegetal do solo no inverno. Mas existem mais de 5 milhões de hectares de terra no RS e SC que ficam ociosos no período de inverno e são utilizados apenas na safra de verão. O objetivo é expandir a produção de cereais de inverno nessa área sem afetar a produção da safra de verão. Caso se consiga uma produtividade de 4 toneladas por hectare, o que não está longe das possibilidades devido às tecnologias disponíveis na área agronômica, seria possível obter 9 milhões de toneladas de cereais de inverno com o cultivo de menos da metade dessa área, o que seria suficiente para cobrir o déficit de cereais para alimentação animal no RS e SC.

No entanto, para que isso se torne viável, é necessário um esforço coordenado para o estabelecimento dessas culturas como alternativas viáveis para a alimentação animal, incluindo: desenvolvimento de variedades específicas para alimentação animal e/ou a escolha, entre as variedades já existentes, daquelas mais promissoras para esta finalidade; definição de práticas agronômicas para otimizar a relação entre produtividade e custo de produção; avaliação nutricional destas variedades formando uma base de dados que contemple toda a variabilidade existente nesses materiais para aumentar a precisão na formulação de rações para suínos e aves; estabelecimento de parcerias entre cooperativas/produtores e agroindústrias para que o mercado dessas commodities alcance um equilíbrio que favoreça desde o segmento dos produtores de grãos até seu consumidor final; estudos de mercado e do custo de produção dessas commodities, gerando informações que subsidiem os setores público e privado para promover planos de incentivo ao seu plantio, bem como o ajuste dos fatores que envolvem toda a cadeia sempre que necessário para manter sua competitividade.

Fonte: Comunicação O.A.RS
Créditos das Imagens: O.A.RS