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A tarefa gigante de reconstruir o campo
15/06/2024

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Ação encabeçada pelo Senar/RS, com apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e orçamento de R$ 100 milhões, vai ajudar a recuperar pelo menos 12 mil propriedades atingidas pela enchente no Estado

Foi preciso contar com as imagens de satélite da Embrapa Territorial e cruzá-las com as informações e coordenadas geográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no Rio Grande do Sul (Senar-RS) pudesse ter uma noção de onde e como começar a auxiliar os agricultores que tiveram suas moradias, histórias, famílias e trabalho literalmente arrastados pela força das águas na enchente que se abateu sobre o Estado no mês maio. O estudo partiu da mancha de inundação resultante da catástrofe, que atingiu 506.774 hectares de 255 municípios gaúchos.

“Dos mais de 300 mil imóveis, 21 mil foram impactados pelas enchentes, além de 1.559 estabelecimentos agropecuários. O impacto na vegetação nativa ultrapassa os 90 mil hectares, em especial nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) de beira de rios”, detalha o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti.
Com o mapa da tragédia e a localização das áreas mais atingidas em mãos, uma equipe de 200 técnicos do Senar-RS foi a campo. No primeiro momento, o objetivo foi avaliar a imensidão dos estragos para priorizar o auxílio que o serviço poderia prestar.

“Chegávamos nos locais e não havia mais casas, propriedades, nada. Encontramos pessoas que saíram de casa com a roupa do corpo e não têm para onde voltar. E serão esses os primeiros a serem ajudados”, diz o superintendente do Senar-RS, Eduardo Condorelli. No roteiro, estavam áreas rurais de municípios como São Jerônimo, Santa Cruz do Sul, Rio Pardinho, Rio Pardo, Rolante, Gramado, Santa Tereza, Bento Gonçalves, Cruzeiro do Sul, Lajeado, Roca Sales, Encantado e Muçum.

A iniciativa posta em prática pelo Senar-RS foi batizada de SuperAção e engloba o atendimento a mais de 12 mil propriedades. A realização ocorre em parceria com a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS). A execução conta com um orçamento de R$ 100 milhões da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil CNA). De acordo com o diretor de Assistência Técnica e Gerencial do Senar, Eduardo Oliveira, a equipe conta com 3 mil diagnósticos apurados, os quais apresentam diferentes realidades e contextos. “Temos as pessoas que precisam reconstruir a casa, o barracão, a estrutura de produção. Outras precisam de auxílio na alimentação dos animais que sobreviveram à enchente ou foram recuperados”, exemplifica Oliveira.

O diagnóstico inicial, segundo Condorelli, já norteia as primeiras distribuições de auxílio. A entrega dos kits de sobrevivência iniciou na segunda semana de junho. Os chamados kits humanitários são entregues àqueles que perderam completamente a moradia. “Vamos dar um apoio para que eles possam recompor o mínimo da casa, pois não existem móveis, fogão, geladeira”, explica. Já os produtores que salvaram os rebanhos receberão alimentação para os animais por, pelo menos, 90 dias, “para que possam passar o inverno”, completa Condorelli.

O Senar-RS também encaminhará e custeará as análises dos solos afetados e viabilizará o serviço de telemedicina com apoio psicológico aos agricultores. “Encontramos as pessoas muito assustadas. Elas estão sem saber o que fazer, a violência com que as coisas aconteceram foi muito grande”, comenta o superintendente.
Outra frente de trabalho está no pronto restabelecimento das condições de trabalho no campo. Para a missão, foram convocados técnicos do Senar de todo o país. As atribuições vão desde ajudar na limpeza das propriedades, que estão lotadas de galhos, pedras e terra, até a recuperação de motores e máquinas inundadas. “Estamos convidando federações e os Senar de todo o Brasil para contribuir com técnicos dos seus quadros de eletricista, manutenção e operação de máquinas e implementos para que a gente consiga restabelecer equipamentos elétricos, como ordenhadeiras e tratores. Num segundo momento, a intenção é realizar o mesmo movimento para recuperar solos, realizar plantios”, relata Eduardo Oliveira.

Entrega de rações e abates de suínos estão normalizados

Escoamento da produção, entretanto, segue comprometido, conforme informa o Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Rio Grande do Sul (Sips), tanto para os compradores internos como para exportação

A suinocultura foi bastante atingida pela catástrofe climática no Rio Grande do Sul, embora em menor percentual que a avicultura, já que as áreas inundadas abastecem 30% das integradoras. De acordo com o diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do RS (Sips), Rogério Kerber, 70% das unidades localizam-se na região Noroeste do Estado, inclusive as exportadoras. “Os abates já foram retomados. Só não voltou a produzir quem realmente teve as instalações muito comprometidas”, avalia Kerber. Há obstáculos, entretanto, para escoar a produção, seja para o mercado interno ou externo, via Rio Grande.

“Muitos produtores que estavam localizados na parte baixa estão conseguindo voltar às propriedades somente agora. Os que estavam nas partes mais altas, onde houve muito deslizamento, estão começando a se ajeitar”, comenta o presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador. O dirigente aponta que 12,7 mil suínos morreram afogados e a Emater/RS-Ascar contabiliza 932 pocilgas atingidas parcial ou totalmente. Além disso, houve grande perda de desempenho nos plantéis. “Matrizes ficaram ser alimentação, não chegou o sêmen para inseminar, os leitões em amamentação tiveram pouco leite, os medicamentos não chegaram, de alguma forma, todos foram atingidos”, explica Folador.

Nas indústrias, as principais avarias estão em estoques, embalagens, insumos, matérias primas, máquinas e equipamentos, veículos, móveis e utensílios. As dificuldades concentram-se nas regiões da Serra e dos Vales do Taquari, do Rio Pardo, dos Sinos e do Gravataí, que, juntas, alojam 1,4 milhão de suínos em integrações. Segundo o Sips, os prejuízos estão estimados em, pelo menos, R$ 80 milhões ao setor, que abate 40 mil suínos por dia no Estado.
Atualmente, o desabastecimento de ração às granjas parcialmente ou não atingidas pela catástrofe está equacionado. Após algumas propriedades ficarem até duas semanas sem receber alimentação devido às interrupções das estradas e pontes, Kerber afirma que não há mais animais sem receber comida. No entanto, diz que as cargas demoram bastante a chegar nos destinos. “Um caminhão distribuía até quatro cargas por dia. Hoje, distribui uma ou duas devido às dificuldades logísticas”, exemplifica.

A fonte de esperança de indústrias e produtores está na liberação do crédito emergencial anunciado pelo governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul. “Precisamos que este crédito chegue nos bancos para que possamos começar a levantar”, pontua Santos. Uma reunião entre a Asgav, o Sips, o governo estadual e os representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ocorreu no dia 6 de junho para alinhar a questão.

Um dos pedidos apresentados pelos integradores foi a extensão do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para empresas com faturamento anual acima de R$ 300 milhões. “Temos grandes indústrias com faturamento médio acima deste valor e que também precisam desta concessão especial e extraordinária para conseguir o financiamento e manter os empregos”, informa o presidente da Asgav, José Eduardo dos Santos. De acordo com a associação, o Estado conta, atualmente, com 21 indústrias avícolas em operação.
O BNDES oferece R$ 15 bilhões em recursos do Fundo Social do Pré-Sal para regiões que tiveram estado de calamidade decretado pelo governo federal devido às enchentes deste ano. Os financiamentos podem ser utilizados para capital de giro, aquisição de máquinas e equipamentos, além de projetos de investimento, como recuperação de plantas produtivas. “O campo não espera, as indústrias não esperam. O pessoal já está calejado. Tivemos ciclone em setembro, enchente em novembro. O que ocorreu lá atrás foi dado um jeito e já se estava produzindo normalmente. Agora, não mais”, alerta Kerber.

Avicultura gaúcha perdeu R$ 250 milhões

Segundo entidades do setor, pode ultrapassar 3,6 milhões o número de animais mortos na tragédia climática que se iniciou ainda em abril no Rio Grande do Sul, entre aves de corte, poedeiras, avós, matrizes e pintos de corte e postura

O fenômeno El Niño mostrou no Rio Grande do Sul, desde julho do ano passado, o tanto de severidade que guardava. Por três vezes, chegou com força, intensidade e grande poder de destruição. Ciclone e enchentes tornaram-se termos recorrentes desde que produtores rurais do Litoral Norte viram plantações e moradias devastadas pelo vento e pela água. Em setembro, o susto foi maior e chegou ao Vale do Taquari, região que concentra 22% dos abates comerciais de frango do Rio Grande do Sul. Uma nova rodada de destruição, na mesma região, foi vista em novembro. A avicultura gaúcha, que mal conseguira abrir os olhos do primeiro pesadelo, teve estruturas e aviários novamente atingidos.

A dupla perda de aviários, animais, genética, estruturas produtivas e industriais interferiu no desempenho global do setor. Enquanto o Brasil bateu recorde anual no volume embarcado, com alta de 6,6% em 2023 ante 2022, o Estado contabilizou decréscimo de 2,13% e foi o único a encerrar o período com saldo negativo. Na produção e no abate, segundo a Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), a queda foi maior, de 5%, com menos 43 milhões de aves abatidas na comparação com o ano anterior.

Terceiro maior produtor e exportador da proteína do Brasil, o Rio Grande do Sul seguiu em desvantagem durante todo o primeiro trimestre de 2024. As primeiras consequências do desastre já apareceram no levantamento das exportações avícolas brasileiras de maio, divulgado pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Com 56,4 mil toneladas embarcadas, o Estado amargou uma queda de 11,4% nas remessas, ante o mesmo mês de 2023.

Passados mais de 40 dias do início da tragédia climática, os avicultores buscam a reconstrução da atividade não só no Vale do Taquari. A região foi a mais atingida pelas enchentes, mas traz consigo um rastro de destruição deixado em outros importantes polos avícolas do Estado. O segmento, que responde por 45% do valor bruto da produção pecuária do RS, contabiliza danos também na Serra, onde se concentram 27% dos abates avícolas. Há perdas ainda nas regiões Metropolitana, das Hortênsias, do Vale do Caí e do Vale do Rio Pardo que, juntas, compõem 20% dos abates.

“Em algum nível, os avicultores de 260 municípios (dos 473 afetados), que têm estrutura agroindustrial, foram afetados”, afirma o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos. Segundo levantamento mais recente da Emater/RS-Ascar, quase 1,2 milhão de aves (comerciais e de subsistência) foram mortas e 804 aviários foram afetados pelas enchentes. “O número é muito maior”, ressalva o dirigente.

De acordo com levantamento preliminar final de maio realizado pela Organização Avícola do Rio Grande do Sul (O.A.RS), Asgav e Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do RS (Sipargs) junto às indústrias integradas, o número de aves mortas com as cheias é superior a 3,6 milhões. O número engloba os exemplares de corte, as poedeiras, as avós e as matrizes, além de pintos de corte e de postura.

Quatro frigoríficos tiveram as atividades paralisadas, pelo menos, de 5 a 26 de maio. Após a água baixar, os abatedouros e fábricas de insumos revelaram destruição de maquinário, equipamentos e edificações. Estragos são contabilizados também em frotas de veículos, bem como em estoques de embalagens e de ração. “Isso sem contar a perda de estoques (de frango e derivados) dos minimercados, mercados e supermercados, que nem mais a capacidade de pagar dívidas têm”, pontua Santos.

A apuração parcial dos dados indica que, até agora, o setor acumula um prejuízo superior a R$ 250 milhões somente com a última calamidade. A soma final, entretanto, ainda demorará a ser divulgada, já que muitos acessos a áreas rurais ainda estão comprometidos devido ao rompimento de estradas, quedas de pontes e deslizamento de terra. Em setembro do ano passado, somente a primeira devastação do Vale do Taquari havia deixado um prejuízo em torno de R$ 220 milhões ao setor, conforme a O.A.RS.

Fonte: Correio do Povo
Créditos da Imagem: CNA / Divulgação / CP