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O Fed entre o remédio e o veneno
25/03/2022
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Uma conhecida fábula do mercado financeiro é que o processo de elevação de juros se assemelha a prática da pesca com o uso de dinamite: no início, os explosivos não geram muitos resultados; mas cedo ou tarde, alguns pequenos peixes aparecem boiando, seguidos de peixes maiores, até que uma baleia apareça entre as causalidades para encerrar o lançamento de dinamites.
Na última semana, o FOMC (o Copom americano) deu início ao seu novo ciclo de altas, ao elevar a taxa básica de juros em 0,25 p.p., para o intervalo de 0,25%- 0,50%. Embora se reconheça que a autoridade monetária tem sido irresponsável ao interpretar a inflação global como transitória, a impressão deixada pelo comitê é que o Fed não está mais atrás da curva.
De outra forma, a mensagem trazida pelo presidente Jerome Powell foi de que a autoridade está muito confiante na força do ciclo econômico americano e que a economia terá a resiliência necessária para sobreviver ao aperto monetário. As projeções para o crescimento do PIB (acima do potencial), para a taxa de desemprego (em torno de 3,5% pelos próximos 3 anos) e para a taxa de inflação (Core PCE em 4,1% compatível com a meta do Fed), reforçam essa visão otimista.
Mais importante do que os números esperados para a economia em si, essa interpretação ganhou forte respaldo em termos de ancoragem com a reação do mercado precificando mais 6 altas de 0,25 p.p. em 2022, enquanto os dotplots do FOMC indicaram que 7 membros já projetam taxas de juros acima de 2% neste ano. Outro divisor de águas foram as projeções para taxa juros acima do patamar neutro a partir de 2023, em 2,8%, uma surpresa e tanto para uma política que até fevereiro ainda promovia o quantitative easing mesmo com uma inflação corrente rodando acima de 7% e taxa de desemprego abaixo de 4%.
No entanto, apesar de se avaliar como positiva a mudança de leitura do principal BC do mundo, persiste a questão de se novamente pescaremos com dinamite. Começando tão tarde no processo, o Fed possivelmente terá que trabalhar mais rápido que o usual. E essa aceleração deverá coincidir com o início do quantitative tightening, anunciado para meados de maio, o que será bastante desafiador. Lembrando que, desde o início da pandemia, o Fed injetou na economia mais de 20% de todos os Dólares emitidos na história. Dessa maneira, a reversão desse processo poderá ter repercussões perigosas para o sistema financeiro global, uma vez que são águas nunca antes navegadas pelos BCs.
Assim, infelizmente, o que determinará a diferença entre o remédio e o veneno será a quantidade de juros a cada reunião. Rápido demais e o Fed arrisca inverter a curva de juros (taxas curtas mais altas que as taxas longas) e desacelerar a economia ao ponto de causar uma recessão. Devagar demais e a âncora que segura o mercado pode ceder, com a inflação vazando para os serviços e salários, fazendo com que o veneno tenha que ser ainda mais forte em períodos subsequentes, o que é não desejado. Esse dilema nos leva a outro ponto importante: a piora das condições financeiras.
O grande problema para o Fed é que sua balança, nesse caso, tem pouca capacidade de distinguir entre o remédio e o veneno. Como o efeito da política monetária reage com uma longa defasagem (de 6-12 meses) na economia, a autoridade monetária tem pouca visibilidade se suas ações são ou não suficientes. Assim, em menção à fábula do início do texto, o BC então tende a estender sua atuação até que a “baleia” apareça, na qual já vimos na história: em 1998, foram necessárias a quebra do LTCM e a crise da Rússia para encerrar esse processo; em 2000, foi a vez da bolha de tecnologia estourar; o processo em 2008 culminou com a quebra do Lehman Brothers; e, finalmente, em 2018, foi necessário que o S&P 500 caísse mais de 20% para que o processo fosse revertido.
Fonte: FIERGS