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A normalização das políticas econômicas e a próxima crise global
24/05/2021

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Uma frase anedótica atribuída ao Prêmio Nobel Paul Samuelson é de que “os economistas previram nove das últimas cinco recessões”. Essa visão sobre a ciência econômica pode ser decorrência do seu próprio advento em paralelo com a ascensão do capitalismo. Crises e saltos abruptos de riqueza por conta de inovações têm se mostrado algo inerente desse modelo de produção. Talvez as fortes oscilações sejam um preço justo a se pagar pela geração de riqueza e bem estar sem precedentes na história humana.

Também se diz que esse perfil dos economistas em olhar para os oscilações da atividade decorre do próprio comportamento cíclico do crescimento, em que sempre se está entre a digestão de uma recessão e a gestação de outra. A economia move-se em sucessivos ciclos de recuperação, expansão, desaceleração e recessão em torno de uma tendência de crescimento de longo prazo.

Análise da trajetória dos dados e do comportamento dos agentes econômicos, bem como a necessidade de construir cenários futuros, talvez seja o que levou o historiador escocês Thomas Carlyle a definir a ciência econômica como uma Dismal Science (ciência sombria ou triste, numa tentativa de tradução).

Essa digressão inicial decorre da dificuldade de compreensão de como o mundo vai lidar com o grande crescimento da dívida pública e privada nos próximos anos e se esses aparentes excessos não nos levarão a uma crise sem precedentes. Existe um grande mal estar quando se tenta imaginar a porta de saída para essa economia hiperestimulada.

Para se ter uma noção do tamanho do problema, o Institute of International Finance publicou recentemente a projeção para a dívida global em 2020. Segundo a instituição, as dívidas pública e privada aumentaram em US$ 24 trilhões no ano passado, atingindo US$ 281 trilhões no final de 2020. Para fins de comparação, esse montante é o maior da história e equivale a 355% do PIB mundial. Para 2021, a expectativa também é de crescimento. A análise dos déficits do setor público projetados para 2021 indicam um crescimento de US$ 10 trilhões, levando a dívida dos governos ao patamar de US$ 92 trilhões, o que é equivalente a 100% PIB projetado para 2021.

O endividamento global foi acentuado pela pandemia, mas é um processo que ocorre há mais tempo. As políticas de taxa de juros próximas a zero começaram nos EUA a partir do estouro da bolha da Nasdaq em 2000, recessão que foi agravada pelos ataques de 11/9 no ano seguinte. Entre o final de 2001 e a metade de 2004, a taxa dos Fed Funds ficou abaixo de 2%. Esse período foi o mais longo e com taxas mais baixas para um período após o fim de uma recessão, desde então. A tentativa de normalização da política monetária a partir da segunda metade de 2004, com o aumento das taxas de juros, foi o estopim para a crise imobiliária dos EUA. É importante lembrar que desde o início de 2007 já se tinha conhecimento dos problemas no mercado imobiliário. Nos meses seguintes, o mercado acreditou que as autoridades fiscal e monetária dos EUA conseguiriam lidar com o problema sem gerar uma crise sistêmica, seria apenas mais uma recessão. Porém, o estado de negação acabou com a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro do ano seguinte.

Hoje, aparentemente não há bolha no mercado imobiliário, mas há, certamente, uma grande dependência das empresas dos países desenvolvidos de liquidez abundante e de um ambiente de taxas de juros próximas a zero. A predileção por empresas de crescimento em detrimento daquelas geradoras de caixa ficou acima do normal. Valuations que parecem absurdos e relações preço/lucro acima de 60 vezes virou algo normal. Casos como o valor de mercado da Tesla, que chegou a ser maior do que todas as outras fabricantes de veículos somadas pode ser um sintoma. Nesse cenário, os incomodados passaram a buscar a compra de metais ou criptomoedas na tentativa de uma posição defensiva. Talvez esse seja outro sintoma.

Nos próximos anos, o desafio de normalização da política monetária será igualmente grande, porém o trauma de 2008 ainda está presente. O primeiro passo será o desafio de iniciar o tapering, que é a desaceleração das compras de ativos que reverteria o processo quantitative easing. Posteriormente, o aumento nas taxas de juros. Estejam com os cintos apertados.

Será que o mundo conseguirá desenhar uma estratégia de saída desse cenário? Será que as teses de “japanificação” dos EUA e Zona do Euro irão se concretizar?

“Mercado pode ficar irracional por mais tempo do que você pode permanecer solvente”, a famosa frase de Keynes, tem várias interpretações. A mais óbvia delas é que custa caro apostar contra o mercado. Quando o S&P500 atingiu a máxima em 2015, as capas de jornais e revistas começaram a estampar previsões de que o bear market estaria próximo. Nos anos seguintes, os recordes foram renovados. Quem ficou short em EUA nesse tempo todo quebrou.

Talvez as tantas crises previstas e que não aconteceram foram justamente devido aos alertas. Diferente do que ocorre na meteorologia, aqui as nuvens podem mudar conforme as previsões. Assim, cada crise prevista que não aconteceu pode ter sido uma vitória dos alertas. Esse texto está longe de ser um “eu avisei”, pois previsões sem prazo para acontecer não passam de especulação. Porém, fica difícil ignorar que estamos com um elefante na sala.

Fonte: FIERGS