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Não há bolha nas moedas digitais, diz especialista
23/07/2018

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A cotação do Bitcoin aumentou mais de 2.000% no ano passado, enquanto a do Etherum avançou 4.000% em apenas um semestre. A volatilidade, de fato, ainda é uma marca das criptomoedas. Mas, para o especialista em criptomoedas e blockchain do Grupo XP, Fernando Ulrich, não estamos diante de uma bolha, como muitos analistas defendem. “Houve um excesso de preço no ano passado, mas desde o começo de 2018 passamos a ter uma correção. Existe euforia com as criptomoedas, mas isso não quer dizer que não há valor nessa tecnologia”, destaca. Ulrich tem mestrado em Economia pela Escola Austríaca da Universidad Rey Juan Carlos, é membro do Conselho de Administração do Instituto Mises Brasil e estudioso da teoria monetária, com experiência nos mercados financeiro e imobiliário. Entusiasta das moedas digitais, também é autor do livro “Bitcoin: a moeda na era digital”, da editora Mises, lançado em 2017. “As critptomoedas são uma verdadeira revolução tecnológica. Pela primeira vez, estamos diante de um ativo escasso e 100% digital”, destaca.

Jornal do Comércio – Muito se fala sobre estarmos diante de uma possível bolha das moedas digitais. Você acredita nesse cenário?
Fernando Ulrich – O Bitcoin começou em 2009, e no primeiro ano nem tinha como ser negociado. Com o tempo, as pessoas passaram a ver algumas utilidades para essa moeda e o interesse cresceu. No ano passado, tivemos um “boom” inicial e uma certa euforia em torno das criptomoedas. Isso, de fato, levou a muita especulação e a uma alta muito forte no mundo todo, mas evito falar em bolha. Prefiro dizer que houve um excesso de preço, um crescimento forte em pouco tempo. Mas, desde o começo de 2018 e até agora, tivemos uma reversão da escalada de preço, uma correção. Sabíamos que isso não seria sustentável – tanto que, no final do ano passado, eu nem recomendava que as pessoas entrassem nesse mercado. Então, não há nada diferente do esperado: euforia, especulação, muita gente comprando e isso não foi sustentável.

JC – O que diferencia os casos de bolha que o mundo já vivenciou, como o da internet, com o que está acontecendo com as criptomoedas?
Ulrich – Tivemos muitos cenários de excessos de preço de ativos e que com o tempo tiveram forte correção, e que muitos chamaram de bolha. É o caso da bolha da internet nos anos 2000 e da imobiliária nos Estados Unidos, que se estendeu para outros países como Espanha, Irlanda e Islândia. São momentos de otimismo e revolução tecnológica e que muitos analistas se excedem nas suas análises e dizem se tratar de uma bolha que vai estourar e deixar de ter valor. Mas, precisamos distinguir a ausência de valor com excesso de valor. Podemos ter euforia com as criptomoedas, mas isso não quer dizer que não há valor nessa tecnologia. Eu evito chamar de bolha porque quem diz que é só bolha tende a qualificar como algo que não tem valor como ativo de fato, ou seja, acaba subestimando a tecnologia. Além disso, uma análise de bolha de ativos exige tratamento mais cuidadoso porque há diversos critérios para dizer que é uma bolha. Os episódios de bolha que citei ocorreram porque tínhamos um cenário de estímulo muito grande de crédito, criado pelo setor bancário. Crédito barato, farto e incentivos governamentais que distorceram os preços dos ativos. Quando analisamos o cenário das criptomoedas, o que temos é o oposto.

JC – Quando você acha que chegaremos a um valor mais justo para as criptomoedas?
Ulrich – Não existe um valor justo para o Bitcoin (BTC). O preço justo é o preço que o mercado definir ao longo do tempo. Uma analogia boa de se fazer é com o preço do ouro. Inclusive, essa moeda é chamada de ouro digital. Ambos são ativos escassos, finitos – o ouro é limitado pela natureza e o BTC limitado pelas regras, que apontam que podemos ter apenas 21 milhões de unidades. Hoje mais de 17 milhões foram criados. Então, olhando a equação oferta-demanda, toda volatilidade vem de demanda. Se sobe a oferta, basta prever a demanda. Eu acho que vai seguir crescendo valor.

JC – O que torna as criptomoedas tão inovadoras?
Ulrich – As critptomoedas são uma verdadeira revolução tecnológica. Pela primeira vez, estamos diante de um ativo escasso e 100% digital. Essa tecnologia é valiosa porque introduz conceitos que não existiam antes, como o fato de ser um ativo digital que pode viajar pela internet instantaneamente e com custo baixo. É uma tecnologia inclusiva porque basta um telefone móvel e a internet para você baixar a sua carteira em segundos. Além disso, o fato de ser uma tecnologia padrão aberto aumenta o potencial de inovação financeira e isso fará surgir uma série de novas possibilidades cuja dimensão nem conseguimos perceber na plenitude. Assim como a internet hoje é a espinha dorsal da economia global, e há 20 anos era apenas uma rede para envio de e-mails, no futuro veremos todas as possibilidades das moedas digitais. É um artigo inédito e que, evidentemente, não vai ser adotado em massa da noite para o dia. É uma tecnologia sendo difundida aos poucos, que está em constante aprimoramento e que ainda precisa ser bastante testada. Leva tempo, é muito mais uma maratona do que um sprint. O momento é de menos holofotes e mais construção e desenvolvimento.

JC – O momento é propício para o investimento nas moedas digitais?
Ulrich – Antes de tudo, os riscos devem ser considerados. Deve-se aprender a usar com segurança, ter conhecimento de como funcionam as carteiras digitais e quais são os mecanismos de backup das senhas. Depois, é preciso encarar essa como qualquer outra decisão de investimento em ativos. Eu acredito que o ideal é enquadrar dentro de alocação de portfólio, como mais um ativo que pode ser usado como diversificação. Não dá para encarar o investimento em criptomoeda como um bilhete na loteria que tem grandes chances de ganhar, fazer fortuna. Essa é uma forma sedutora, mas equivocada e com grandes chances de dar errado. Além disso, como a volatilidade é alta, a forma mais prudente é fazer várias entradas, e não aportar tudo em um mesmo ponto de tempo, para mitigar os riscos.

JC – Algumas pessoas defendem a ideia de que as criptomoedas só serão efetivas na medida em que forem incorporadas à base monetária dos países, criando por exemplo o criptoreal ou o criptodolar. O que você acha disso isso?
Ulrich – É um contrassenso porque as criptomoedas são, por definição, descentralizadas. Se tivermos o Banco Central emitindo moeda digital, passamos a ter a presença de um player de emissão centralizado. Com isso, voltamos ao modelo de segurança tradicional de uma autoridade centralizada. Sem falar que isso vai interferir na própria relação do Banco Central com os bancos. Se chegarmos em um momento em que qualquer cidadão comum puder ter uma carteira digital no Bacen, porque ele teria uma conta bancária? Não faria sentido.

JC – Hoje em dia existem mais de 1 mil versões de criptomoedas. Você acredita que o mercado comporta tantos padrões?
Ulrich – Eu não acredito em um mundo com diversos protocolos. A cada nova criptomoeda, temos um protocolo novo, padrão, e olhando sob a ótica de efeito rede, quanto mais uso, mais interessante se torna essa rede. Ainda estamos vivendo um momento de experimentação, com o tempo teremos uma depuração atual e a minha aposta é que poucos perdurarão. As outras criptomoedas ainda estão mais distantes do BTC, tanto em termos de escalabilidade, para poder prover adoção mais massificada, como em segurança, pois têm menos tempo de vida.

Fonte: Jornal do Comércio